Voltar a Paredes de Coura - Parte 1


Voltar a Paredes de Coura é como voltar a uma casa de onde nunca partimos, onde somos bem recebidos, onde nos sentimos em família, onde sabemos que a desilusão nunca nos atingirá. E os anos passam sem que se sinta o seu peso. O espírito, esse mantém-se jovem e a cada edição rejuvenescido. Num inquérito rápido pelos festivaleiros espalhados pelas margens do rio, a resposta à pergunta se pensam voltar para o ano é unânime e esclarecedora, “Claro que sim, cá estarei!”. É este o sentimento que o festival nos cria, a vontade de voltar com a certeza de que nos receberá sempre de braços abertos.
Na sua 21ª edição, o Festival Vodafone Paredes de Coura prolongou-se por 5 dias, cabendo aos primeiros dois a função de ir aquecendo os ânimos dos muitos festivaleiros instalados no campismo desde há vários dias. E assim foi, um primeiro dia exclusivamente feito de bandas portuguesas e que se seguiu outro com alguns nomes fortes como os Unknown Mortal Orchestra, os Alabama Shakes e, a surpresa vinda de África, Bombino. Com o acesso ao palco principal ainda interdito, a imagem ao entrar no recinto era esplendida, com o palco iluminando o anfiteatro ainda despido de público.

 Os Alabama Shakes foram recebidos por um público entusiasta a demonstrar que são uma das bandas mais acarinhadas do momento. Mas a grande surpresa do dia veio do deserto. Bombino, que recentemente lançou o álbum ‘Nomad’, produzido por Dan Auberbach dos The Black Keys, trouxe-nos um género de rock diferente do que estamos habituados, mas com todos os ingredientes necessários. As músicas são uma interminável enxurrada de ritmo frenético acompanhado de solos de guitarra que nos guiam o corpo. Surpreendentemente, rico melodicamente.

O primeiro dia a sério do festival contava com os muito aguardados The Knife como cabeças de cartaz. Mas até lá os motivos de interesse eram vários, a começar pelos australianos Jagwar Ma, que na sua estreia em Portugal vieram apresentar o aclamado álbum ‘Howlin’. Muita gente espalhada pelo anfiteatro ia aproveitando os últimos raios de sol enquanto conversava e ia dando um olho ao que se passava em palco. Os ritmos tropicais rapidamente se deixaram ultrapassar pelas electrónicas mais pesadas transformando o concerto numa verdadeira sunset party. Entretanto, no palco secundário começavam a ouvir-se os primeiros acordes do concerto de Toy, o que levou muitos a tomar essa direcção.

Numa escuridão quase total, a banda britânica presenteou-nos com as suas guitarras hipnóticas que não foram capazes de cativar o público. O álbum de estreia foi o pretexto para quase uma hora de monotonia e soturnidade shoegaze. Logo de seguida, os Vaccines, que depois do que assistimos, foram uma autêntica lufada de ar fresco. A mesma postura british mas a léguas de distância no que há simpatia diz respeito. Os Vaccines surgem na onda pós The Libertines ou dos posteriores Babyshambles. É rock juvenil, descomprometido, feito de letras pueris e refrões que rapidamente ficam no ouvido, como prova “Post Break-Up Sex”, cantado com o público a uma só voz. Ainda antes dos Hot Chip, uma passagem rápida pelo concerto de Little Boots. Muita animação e energia. Levezinho como a brisa que se começava a sentir com o aproximar da noite.

Os Hot Chip dispensam apresentações e só os mais distraídos não sabem com o que contar num concerto dos britânicos. É festa e boa disposição garantida! São das bandas que melhor passam para o público o quanto se divertem em palco. Divertem-se e têm enorme gosto naquilo que fazem, e isso transparece. São sobretudo uma máquina muito bem oleada ao vivo, aliado a um conjunto de singles irresistíveis. São êxitos em catadupa, “Over and Over”, “Night and Day” e claro, “Ready for the Floor”. Nunca desiludem.

Finalmente os The Knife. As expectativas eram enormes para a estreia do duo sueco em Portugal. E a verdade é que, a bem ou mal, não defraudaram ninguém. Já muito se falou do concerto, houve quem amasse e quem odiasse. O sentimento geral após o concerto era, sobretudo, de estupefacção. Diferente, acho que é a descrição que melhor assenta ao que se passou em palco. Os irmãos Karin e Olof Dreijer são conhecidos pela cuidada estética e conceito em torno da banda. Até 2006 nunca tinham dado um concerto e, de lá para cá, as aparições ao vivo são esporádicas e obedecem a um rigoroso conjunto de especificações. O concerto começou com uma introdução a cargo de uma personagem, que como alguém dizia a meu lado parecia o António Variações. Foram 15 minutos de “aeróbica de protesto” em que, sozinho em palco e ao som de The Rapture, Goldfrapp, entre outros, pôs o público a mexer-se e a gritar em plenos pulmões. Se a ansiedade já era muita, depois deste momento peculiar, foi elevada ao histerismo.

Chamar concerto à hora e meia que se seguiu é no mínimo pouco verosímil. Mais do que um concerto foi um espectáculo que vai muito para além dos estereótipos instituídos. Podemos chamar-lhe performance, happening, mas foi acima de tudo uma experiência sensorial. Uma série de instrumentos espaciais compõem a cenografia. Oito vultos de sexo indefinido surgem por entre o fumo. A música começa e depressa se percebe que tudo não passa de uma encenação e o som que vem de palco não passa de uma gravação. Os pseudo instrumentos rapidamente são postos de lado e os músicos transformam-se em bailarinos. Daí para a frente as coreografias sucedem-se, o som torna-se secundário e é o estímulo visual que assume destaque. Uma espécie de tribalismo futurista toma conta do palco deixando todos atónitos. Se defraudou as expectativas, é complicado dizê-lo. Há que louvar a originalidade e o esforço em romper com o conceito tradicional de concerto. A criticar, temos de criticar o excesso da “actuação”. Ao fim de um tempo, o factor-surpresa esgotou-se e tornou-se algo maçador. 

Texto publicado na Revista Magnética.
Foto © Hugo Lima

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